Por Rhossane Lemos
Querido Homem,
Te escrevo essas poucas palavras de modo que meu coração encontre um lugar no seu, ao mesmo tempo que o seu habita o meu.
Lembra-se quando éramos só nos dois e a natureza lá no paraíso? Tempo bom, não é? Seu único trabalho era o de dar nome às coisas e aos seres que habitavam o Éden. Trabalho criativo e divinamente importante... pena que acabou.
Desde que saímos do paraíso, as coisas mudaram muito. Saímos não, para ser sincera devo reconhecer que fomos despejados. Lembra que o próprio Senhor, sem nem chamar o anjo, meteu o pé no nosso traseiro? Bom, aí você Homem pode começar com aquele mimimi novamente que a culpa foi minha, senão ainda estaríamos lá. Só para lembrar, tudo começou com a ousadia de uma serpente. E se essa imagem de uma cobra te diz alguma coisa, bom, se entenda com ela que começou tudo e ainda hoje provoca tantas confusões em muitas situações.
Mas voltemos ao nosso recomeço... esse que alguns chamariam hoje de ressignificação da relação. Na verdade, na época, foi sobrevivência e me pergunto se ainda não é. Desde que saímos da terra onde jorrava leite e mel, se quisermos comer precisamos comprar, preparar, cozinhar.
Hoje em dia, para cobrir as novas vergonhas, não bastam as folhas de figueira alinhavadas e as cintas que usamos logo quando descobrimos o que era o bem e o mal lá no Éden. Agora são as grifes que comunicam por nós. Os produtos compensam por fora o que nos falta por dentro. A estética, a genética, a tecnologia, a anestesiologia, o self e o yourself ocupam nosso tempo e sonhos.
Nessa hora, sinto saudades do tempo em que a gente andava pelado, juntos, correndo pelas matas, sem preocupações. Mas acabou.
Agora precisamos decidir, cuidar, agir, conversar, planejar, fazer acordos, colaborar, varrer, produzir, tirar o lixo, gerar, criar, desenvolver... sem esquecer de correr pelados pelos nossos campos da alma e da vida. E sorrir um para o outro, com a cumplicidade no olhar e a sinceridade no espírito.
Amor é se fazer feliz todos os dias, ou tentar.
Não somos mais ingênuos. Somos sofridos, machucados, mais fortes e complexos. Mas ainda somos nós dois, às vezes três, porque a serpente passa de vez em quando por aqui com a mais bela maçã tão vermelha na boca.
Ah, por falar em maçãs, lembra quando voltar de trazer da verde, mel puro e original, três caixinhas de leite e a vela para o anjo.
Com amor da sua sempre Eva (Neiva, Maria, Rhossane, Mulher).
Gosto de gente e de ouvir as histórias de gente. Gosto de bicho também, nossas cachorras são da família. Sou gaúcha, casada com um paulista e vivo em Brasília atualmente, mas já morei em Paris na França. Lá eu estou terminando meu doutorado em Antropologia sobre narrativa oral e os contos maravilhosos, mesmo assunto que pesquisei durante o mestrado. Não só de formação, mas de natureza, sou comunicadora social, contadora de histórias e assim como o Fabrizio amo construir pontes. Faço pontes no meu trabalho atual, na Embaixada da França, mas é no dia-a-dia das relações que precisamos de mais pontes. Gosto de olho no olho, da respiração que se complementa, da gentileza, do cuidado e daquilo que é mais comum entre nós humanos e a natureza. E me sinto junto de você nessa grande aventura de viver.
Agradeço do coração a todxs que leram esse texto. Agradeço ao Fabrizio pela oportunidade de estar nesse blog tão bacana! E que a gente continue com leveza e alegria! Abraço em todxs!
Qua carta linda, chamando da magia para a realidade de todos e cada um de nós...